Fogo Na Mistura

1985

Fogo Na Mistura
    • Fogo na Mistura (Tunai / Sérgio Natureza) Letra

      Rasga a fantasia

      Já é quase dia

      Dança que é pro sol raiar

      Vê que maravilha

      Mãe-lua adivinha

      Que é hora e vai deitar

       

      Vai de vento em popa

      Sai com pouca roupa

      Que o calor pode aumentar

      A temperatura

      Pra além da fervura

      Num delírio popular

       

      Fogo na mistura de sabedoria

      Desejo, magia, alegria e coisa e tal

      Dançando todo mundo a mil

      Brasil, “massa real”

       

      Afoxés e frevos

      Marcha e samba enredo

      Brancos, índios, negros

      Euforia nacional

      Cantando junto em qualquer tom

      Saindo num cordão geral

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo: Hector Garrido

      Bateria: Adolfo “Fofi” Lancha

      Baixo: Juarez Hernandez

      Guitarra: René Toledo

      Piano Fender: Luis de la Torre

      Sintetizador: Steve Quinze

      Percussão: Oscar Salas

      Vocais: Viviane, Fernando, Celinha, Jaime Alem, Nair Cândia, Regina, Bráulio, Tadeu Mathias, Jurema Cândia, Rosana, Antônio “Foguete”, Fatinha, Isabel, Laura, Gilda, Cleuber, Marco, Enaldo, Luiz Fernando, Ana Carla, Magda, Mauro, Gustavo, Massuka, Gabriela, Nana Vaz, Tiago, Paulinho Pizziali, Irene, Erácliton, Os Abelhudos (Rodrigo Saldanha, Diego e Tatiana)

    • De Volta pro Aconchego (Dominguinhos / Nando Cordel) Letra

      Estou de volta pro meu aconchego

      Trazendo na mala bastante saudade

      Querendo um sorriso sincero, um abraço

      Para aliviar meu cansaço

      E toda essa minha vontade

       

      Que bom poder tá contigo de novo

      Roçando teu corpo e beijando você

      Pra mim tu és a estrela mais linda

      Seus olhos me prendem, fascinam

      A paz que eu gosto de ter

       

      É duro ficar sem você vez em quando

      Parece que falta um pedaço de mim

      Me alegro na hora de regressar

      Parece que vou mergulhar

      Na felicidade sem fim

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo: Dori Caymmi

      Bateria: Nico Assunção

      Violão: Dori

      Teclados: Jota

      Percussão: Sidinho

      Acordeom: Chiquinho e Dominguinhos

      Violinos: Giancarlo, Alfredo, José Alves, Paschoal Perrotta, Michel, Walter Hack, Carlos Hack, Aizik, Francisco Perrotta, Jorge Faini, Luiz Carlos, Virgílio Arraes

      Violas: Arlindo Penteado, Frederick, Hindenburgo, José Dias de Lana

      Cellos: Alceu de Almeida, Jacques Morelenbaum, Jorge Kundert, Marcio Eymard

    • Como se Fosse a Primavera (Canción) (Pablo Milanés / Nicolas Guillén / versão: Chico Buarque) Letra

      De que calada maneira

      Você chega assim sorrindo

      Como se fosse a primavera

      E eu morrendo

      E de que modo sutil me derramou na camisa

      Todas as flores de abril

       

      Quem lhe disse que eu era

      Riso sempre e nunca pranto

      Como se fosse a primavera

      Não sou tanto

      No entanto, que espiritual

      Você me dá uma rosa de seu rosal principal

       

      De que calada maneira

      Você chega assim sorrindo

      Como se fosse a primavera e eu morrendo

      E eu morrendo

       

      Ide qué callada manera

      Se me adentra usted sonriendo

      Como se fuera la primavera

      Yo muriendo

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo: Hector Garrido

      Bateria: Adolfo “Fofi” Lancha

      Baixo: Julio Hernandez

      Guitarra: René Toledo

      Piano Fender: Luis de la Torre

      Percussão: Oscar Salas

      Trompete: Tony Concepcion e John Giorginni

      Sax tenor: Ed Calle

      Sax barítono: Ed Maina

      Trombone: Kevin Williams

      Surdo: Gordinho

      Tamborim: Trambique e Luna

      Tamborim/ganzá: Eliseu

      Cuíca/agogô: Ovídio

    • Desassossego (Moraes Moreira / Guilherme Maia) Letra

      Meu bem me chamou, pediu xamego

      Meu nego, tô com o pé na estrada

      Me desprezou, desassossego

      Eu chego com a madrugada

       

      O meu caminho sigo sempre em direção

      O teu carinho, cantinho do teu coração

      Viver sozinho, eu não, que dor

      Uôu, uôu, uôu, sou passarinho

      Sou teu condor

      E a vida é nosso ninho de amor

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo e teclados: Zé Américo Bastos

      Bateria: Elber Bedaque

      Baixo: Jorge Degas

      Guitarra: Zeppa Souza

      Sax: Leo Gandelman

      Percussão: Sidinho

      Vocais: Regininha, Luna Messina, Cláudia Telles, Jurema, Marcio, Tadeu Mathias, Ana Lúcia, Hilton

    • Mexe... mexe, Funga... funga (Severo/ Jaguar) Letra

      Bom sanfoneiro é aquele que se treme

      Sustenta o fole, não cochila no forró

      Bom sanfoneiro quando cai na forrozada

      Deixa doida a mulherada

      E a poeira sai do chão

      Bom sanfoneiro quando cai na forrozada

      Deixa doida a mulherada

      E a poeira sai do chão

       

      É um bole-bole, um mexe-mexe, um remelexo

      É um funga-funga na sanfona e no salão

       

      Vem cá benzinho me faz um carinho

      Vem de mansinho como quem não quer

      Nada e me puxa, vem devagarinho

      Me matar de dengo sem ninguém dar pé

      Nada e me puxa, vem devagarinho

      Me matar de dengo sem ninguém dar pé

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo: Dominguinhos e Severo

      Bateria: Elber Bedaque

      Baixo: Jorjão

      Guitarra: Zeppa Souza

      Teclados: Zé Américo Bastos

      Percussão: Sidinho

      Acordeom: Severo e Dominguinhos

      Triângulo: João Gomes

      Maraca: Lacerda Cavalcante

      Zabumba: Geraldo Gomes

      Flauta: Zé da Flauta

      Palmas: Mazzola

      Vocais: Regininha, Luna Messina, Cláudia Telles, Jurema, Marcio, Tadeu Mathias, Hilton

    • No Caminho de Cuba (Jaime Alem) Letra

      Um sanfoneiro, no caminho de Cuba

      Um zabumbeiro, no caminho de Cuba

      Um triangueiro, no caminho de Cuba

      Lá um rumbeiro se chegou

      Foi de congas no baião

      Misturando la cumbia com xaxado

       

      Obatalá, no caminho de Cuba

      Babaiuiaiê, no caminho de Cuba

      Um canto negro, no caminho de Cuba

      Lá um moreno balançou o meu coração

       

      Eu fui visitar uma ilha

      Que fica no Mar das Antilhas

      E lá conheci outra raça americana

      Também filha de Olorum

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo: Hector Garrido

      Bateria: Adolfo “Fofi” Lancha

      Baixo: Julio Hernandez

      Guitarra: René Toledo

      Piano Fender: Luis de la Torre

      Percussão: Oscar Salas

      Trumpete: Tony Concepcion e John Giorginni

      Sax tenor: Ed Calle

      Sax barítono: Ed Maina

      Trombone: Kevin Williams

      Acordeom: Dominguinhos e Severo

      Triângulo: Sidinho

      Vocais: Jackie Molinary, Camelia Torres, Yvette Barge, Xavier Oliva

      Arranjo do vocal: Jaime Alem

    • Anjo do Prazer (Tadeu Mathias/Jaguar) Letra

      Olha bem, nego, nesse meu jeitinho

      De dançar chorinho, de dançar forró

      De brincadeira, lá na gafieira

      Varo a noite inteira, gosto de um xodó

       

      Tiro de letra um bolero, um tango

      Um xaxado, um mambo

      Mando bem no pé

      Tenho estampado aqui no meu rosto

      Sou pra qualquer gosto, sou de A e B

       

      Anjo da noite, bandido

      Na prata despido

      Cambista do prazer

       

      Mas creia, nego

      Que me dou, me rendo

      Viro rosa, sendo só de um beija-flor

      Se você vem, amor, basta um desejo

       

      Nego, sou lampejo

      Nego, sou festejo

      Nego, só me vejo

      Um buquê de amor

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo: Zé Américo Bastos

      Bateria: Elber Bedaque

      Baixo: Jorge Degas

      Guitarra: Zeppa Souza

      Percussão: Sidinho

      Trumpete: Bidinho e Nilton Rodrigues

      Sax alto: Leo Gandelman

      Sax tenor: Marcelo

      Trombone: Roberto Marques

      Pandeiro/triângulo: Zizinho

      Tamborim/ganzá: Elizeu

      Tamborim/agogô: Trambique

      Tamborim: Luna e Gordinho

    • Equilibrando os Planos (Altay Velloso) Letra

      Onde meus pés estiverem

      Aí estará minha raiz

      Pra me sustentar, pra me erguer, me lançar

      Nas asas do vento, da chuva e do sol

      Quando meu chão se abala

      Estremece é a minha raiz

      Sacudindo os galhos, os frutos e os talos

      Que só a lucidez já me quis

       

      E quando o meu ódio é viril

      E meu amor é ardente

      Ou minha calma nervosa

      Minha ira prudente

      São as asas da vida equilibrando os planos

       

      E quando minha voz faz questão

      De te dar meu segredo

      E o meu coração revelar meus desejos

      São os palcos da vida levantando os panos

       

      Onde a razão me levar

      Sob o chão estará minha raiz

      Pra me fortalecer, pra me fortificar

      Romper, perdoar ou calar

      Se um dia meu sol se esconder

      É que a noite também vive em mim

      E a lua virá pra alternar minhas marés

      As estrelas guiarão meus pés

       

      E quando o que em mim é sagrado

      Me torna profano

      É que a núncia vida me quer mais cigano

      É que a luz dessa noite me quer mais clareza

       

      Nas veias do mundo eu vou sangue

      Alimenta e eu vou coragem

      As estradas da vida, uma eterna viagem

      E aí se revela minha natureza, minha natureza...

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo e guitarra: Zeppa Souza

      Bateria: Elber Bedaque

      Baixo: Jorjão

      Percussão: Mazzola

    • Sambaiãozar (Pinto do Acordeom) Letra

      Meu Rio de Janeiro a gente te adora

      Mesmo sendo de fora tem que acostumar

      Mulata desfilando em Copacabana

      Todo fim de semana, vamo forrozar

       

      A gente dá um duro pra ganhar dinheiro

      E gastar com sanfoneiro e tomar banho de mar

      A noite carioca deixa a gente louco

      Mesmo passando sufoco ninguém quer sair de lá

       

      O Corcovado nos espera de braços abertos

      É um sonho certo

      A gente acorda pra sonhar

      O Rio de Janeiro se mistura com zabumba

      Com cuíca, com pandeiro pra sambaiãozar

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo e teclados: Zé Américo Bastos

      Bateria: Elber Bedaque

      Baixo: Jorjão

      Guitarra: Zeppa Souza

      Percussão: Sidinho

      Acordeom: Dominguinhos e Severo

      Trompete: Bidinho e Nilton Rodrigues

      Sax alto: Leo Gandelman

      Sax tenor: Marcelo

      Trombone: Roberto Marques

      Pandeiro: Zizinho

      Cuíca/agogô: Ovídio

    • Pátria Amada (Carlos Fernando) Letra

      Vamos colocar na mão do índio

      Os botões da informática

      Vamos preparar com raio laser

      Uma grande feijoada

       

      Ela tem futuro

      Tem, tem, tem

      Ela é o Brasil

      Sil, sil, sil

      Um surfista lindo a caminho do ano dois mil

       

      Vem, vem ver, Pátria Amada

      Mistura tuas cores

      Põe o pé na nova estrada

       

      Mistura pra ver como é

      Mistura pra ver se dá pé

      Mistura pra ver como é

      Mistura pra ver se dá pé

       

      O riso, a dor, o canto

      O arco-íris da paixão

      A fantasia nua

      Da imagem nação

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo e DX-7: Eduardo Souto Neto

      Arranjo de percussão: Mazzola

      Bateria: Elber Bedaque

      Baixo: Jorjão

      Guitarra: Zeppa Souza

      Trompete: Bidinho e Nilton Rodrigues

      Trombone: Roberto Marques

      Sax alto: Leo Gandelman

      Sax tenor: Marcelo

      Percussão Lin MacLine: Mazzola

      Cuíca: Ovídio

      Ganzá: Wilson Canegal

      Tamborim: Luna e Eliseu

      Caixa/tamborim: Trambique

      Surdo: Gordinho

      Vocais: Regininha, Luna Messina, Cláudia Telles, Jurema, Marcio, Tadeu Mathias, Ana Lúcia, Hilton

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Para os que acreditam na magia dos números, lá vai: é o 7º LP de Elba, em 7 anos de carreira: Ave de Prata (CBS/79), Capim do Vale (CBS/80), Elba (CBS/81), Alegria (Ariola/82), Coração Brasileiro (Ariola/83), Do jeito que a gente gosta (Barclay/84) e Fogo na Mistura (Barclay/85). Nesses sete discos, vários elementos em comum: o sertão, o Brasil, a energia, a alegria, a sensualidade, o humor; o fogo da vida. Os mesmos elementos presentes em seus principais shows: no Teatro Casa Grande (82), no Canecão (83 e 84), nas excursões pelo Brasil inteiro e pelo mundo, de Cuba ao Japão.

O segredo disso tudo talvez seja a mistura. Não o simples fato de misturar influências, porque isso já começa a acontecer cada vez que se ouve rádio. Mas saber o ponto certo, a proporção ideal, o segredo do molho. Misturar, por exemplo, a voz ao corpo e o corpo ao texto – a tal ponto que para descrevê-la seja preciso misturar uma palavra nova: “cantriz”. Pelo jeito de não apenas entoar, mas cantar dizendo.

A mistura mais antiga, entre o sertão divino e a cidade maravilhosa.

Ou entre uma certa sofisticação visual (todas as cores e todas as luzes permitidas pelas leis em vigor) e uma certa descontração que surpreende a plateia – no meio do show a cantora para e diz: “Dá um tempo aí que quebrou o salto do sapato”.

As misturas são muitas, e esse é um segredo delas. Elas fazem com que um disco de Elba atinja as pessoas independentemente de classe, idade, raça ou local de nascimento. Porque existem algumas coisas básicas, algumas camadas de sensibilidade que todos esses brasileiros partilham; e é por aí que uma porta se abre.

“Eu acho que tenho um sucesso razoável, considerando-se de um lado o meu ritmo de trabalho, e do outro as dificuldades econômicas num país como o Brasil. Nem me queixo nem me acho uma pessoa de mais sorte do que as outras. Meus shows tem sempre boa plateia, meus discos sempre vendem bem; eu acho isso algo muito natural. Quando você passa a vida inteira trabalhando para que uma coisa aconteça, na hora em que ela acontece você acha a coisa mais lógica do mundo”.

“Eu costumo dizer que sou uma operária, e realmente eu trabalho muito, viajo muito, e haja ensaio, haja gravação, haja entrevista, reuniões, contratos... Desde que eu entrei na música tem sido assim, nunca afrouxei o ritmo. Tenho uma banda de onze músicos. Equivale a um time de futebol. E tem a minha equipe de produção, tem os técnicos... É uma porção de gente trabalhando juntos, é ótimo, parece um circo”.

“Hoje em dia as coisas acontecem muito mais rapidamente. A TV contribui muito para isso. As modas, as ondas, tudo isso aparece e desaparece com mais frequência, dura menos tempo. A gente tem que estar de olho no que acontece – ainda mais nós artistas, que trabalhamos com a intuição. A gente não pode ter um programa de trabalho, um planejamento de criação para os próximos cinco anos, por exemplo. A gente vai vivenciando as coisas, vai ouvindo, vai assimilando, vai domesticando o que pode. Mas o bom mesmo é inventar sua própria onda, inventar seu próprio sonho. Para isso que serve o palco”.

O repertório desses sete discos vai de Rosil Cavalcante a Chico Buarque – passando por Bertold Brecht e Shakespeare. De Jenny dos piratas à Geni do zepelim; da Diana do pastoril a Carmen Miranda. Mulheres que invadem o palco, de uma em uma, cada qual com seu próprio jeito, sua dança, seu sorriso.

Um disco funciona como o registro das evoluções dessas personagens todas. Uma gravação que fixa a trajetória de cada uma delas, e que nos permite perceber quando retornam numa canção nova e inesperada.

Um disco serve pra tocar no rádio, nas vitrolas de ficha, no toca-fitas do carro, no radinho de pilha. Ele ergue a canção no ar; o ar da cidade se enche de canções: pipas, arraias, papagaios, corujas, pandorgas, todas subindo, procurando espaço entre o vento e o sol.

“Este disco foi um dos mais tranquilos que eu já fiz: foi feito em poucas semanas. O Mazzola trouxe algumas bases gravadas em Miami com músicos cubanos e americanos, e isso funcionou muito bem. É uma experiência nova como cantora. A maior parte do meu trabalho é feita com a Banda Rojão, que está comigo há muito tempo. Mas a gente sempre faz essas experiências, chama arranjadores como César Camargo Mariano ou Dori Caymmi... A gente procura novas formas. Eu me entendo muito bem com o Mazzola; este já é o terceiro disco meu produzido por ele. Ele descobre nuances, detalhes de arranjos, coisas de mixagem que dão um efeito fantástico. São coisas que dão uma unidade muito grande ao trabalho, dentro dessa proposta geral de misturar ritmos e temas”.

“Um disco tem que pensar em trazer informações novas, e ao mesmo tempo manter uma certa continuidade com o trabalho anterior. Eu gosto de fazer experiências novas – de arranjo, de repertório, de interpretação – mas você não pode chegar e mudar tudo de repente. Você tem que usar o já conhecido para abrir caminho para o mais novo. Eu faço o meu forró, o meu frevo, esse tipo de música mais comunicativo; e as pessoas que compram meu disco pra ouvir o forró acabam ouvindo tudo, e gostam. O forró é uma das linhas centrais do meu trabalho: as novidades vem em redor”.

“Eu acho que tudo que eu faço é uma coisa muito brasileira, inclusive porque eu conheço a música brasileira muito melhor que a de qualquer outro lugar. Em todas as viagens que eu fiz eu nunca deixei de perceber interesse pelo forró, pelo maracatu, pelo frevo, que são as coisas que me dão mais prazer de cantar. Eu faço o que eu sei fazer com gosto. É a melhor maneira de fazer bem feito”.

“Me perguntam por que é que eu falo tanto em energia. Ora, eu acredito que nós somos feitos de matéria, e matéria é energia. Cada um de nós é um feixe de energia, e essa energia atua sobre as outras pessoas. Isso é algo que me parece muito claro: se existe energia pessoal, eu tenho que conhecer a minha, saber como ela atua, como pode ser mais bem utilizada. O artista tem que se conhecer, senão ele pode estar cheio de boas intenções – e fazendo um trabalho que não tem nada a ver com ele mesmo”.

“A música negra é responsável por uma grande parte desse aspecto festivo, colorido, alegre, que a música brasileira tem hoje. Mas também existe do lado negro uma face meio triste, meio religiosa. A canção de Altay Veloso, Equilibrando os planos, é uma espécie de blue, mas não o blue no sentido americano da palavra; blue com uma qualidade, de um determinado tom emocional que condiciona a canção inteira. A música do Altay é muito envolvente: ele consegue reconstruir esse estado de espírito blue com uma linguagem muito dele, muito pessoal”.

A Nova República reconciliou os palcos e os palanques. Políticos e artistas acertaram os ponteiros. A música serviu como ligação entre isso tudo; não apenas belas canções que foram compostas, mas porque o próprio hino brasileiro passou a ser escutado com mais simpatia.

A música é uma possiblidade de resposta rápida ao que acontece em torno de nós. As canções urgem, são escutadas e aprendidas, logo depois vem outras; a atenção recolhe, a memória seleciona. Canções são às vezes recados importantes mas de vida curta; outras vezes, são pequenas sínteses que conseguem durante muito tempo satisfazer a nossa necessidade de encontrar um pouco de nitidez nas coisas. Qual o lugar da música na Nova República?

“Eu gosto de todo esse clima de Nova República que está aí. A gente teve dois abalos – a derrota das diretas, a morte de Tancredo. Mas a gente tem que olhar para o país agora, ver o que precisa ser feito. O Tancredo deixou muitas lições importantes para a gente. Eu queria que meu trabalho exprimisse isso, essa sensação de que nós de repente estamos podendo modificar o Brasil, melhorar a nossa própria vida. O lugar do cantor é no estúdio, é no palco, é na TV, onde quer que ele possa botar a boca no mundo.”

“Em Cuba nós sentimos uma identificação muito grande com todo o pessoal de lá – os músicos, a população. É uma coisa ao mesmo tempo estranha e familiar: aquele pessoal super parecido com a gente, mas falando espanhol e falando comunista. Eles são muito políticos, mas por outro lado são um povo muito latino, muito sensual. A música de lá parece a daqui. No Brasil se conhece pouco sobre Cuba, sobre a música cubana: a gente conhece Pablo Milanés, Silvio Rodrigues, uns poucos. Mas as orquestras de lá, os bailes de lá, são uma coisa muito bonita e muito brasileira”.

“A MPB está se tornando cada vez mais teatral, e o teatro vai se aproximando cada vez mais da música. A gente está numa época de musicais, de trabalhos onde as pessoas cantam, dançam, representam. Eu tenho uma saudade enorme do teatro, mas a música compensa isso em parte, porque eu sempre procuro explorar bastante o elemento dramático, o elemento visual. Eu acho que existe música de meio-de-rua (como o frevo e samba) e a música de recinto fechado (como a cantoria de viola e a bossa-nova). São vertentes antigas e fortes da música brasileira. Eu faço mais é música de meio-de-rua. O palco para mim é como um trecho de rua: aparece um pastoril armado, depois passa um bloco, ou se forma uma roda de samba. A música que eu faço é essa. Para mim, todo palco é aquele meu trecho de rua onde eu posso organizar a minha festa: pode ser no Canecão, num ginásio no interior, num teatro. Palco é palco: onde eu chego, armo a minha rua e boto o som pra rolar”.

“Quero falar de um modo especial sobre os compositores novos que estão no disco. Eu sempre me interesso pelo trabalho desse pessoal; às vezes nem chego a conhecê-los pessoalmente, mas o trabalho deles me toca, me diz alguma coisa. Neste disco tem o Nando Cordel, que é parceiro de Dominguinhos; o Jaime Alem, compositor de No caminho de Cuba; o Altay Veloso, que já gravou, e tem um trabalho fantástico; e Pinto do Acordeom, meu conterrâneo de Conceição do Piancó, grande sanfoneiro, meu amigo de infância; gravei dele Sambaiãozar, que diz: “O Corcovado nos espera de braços abertos, é um sonho certo, a gente acorda pra sonhar”. Eu acho que o Brasil acordou pra sonhar”.

Fogo na mistura tem participação especial de Dominguinhos (acordeom em várias faixas, juntamente com Severo). A maioria das faixas tem acompanhamento da Banda Rojão, complementada por músicos de estúdio. Três faixas (No caminho de Cuba, Como se fosse a primavera e Fogo na mistura) tiveram suas bases gravadas em Miami, com arranjos de Hector Garrido e participação de músicos cubanos e americanos. Dori Caymmi assina o arranjo de De volta pro aconchego, Zeppa o de Equilibrando os planos, Dominguinhos e Severo o de Mexe, mexe... funga, funga, Eduardo Souto Neto o de Pátria amada; e os demais arranjos são de Zé Américo.

O disco foi produzido e mixado por Mazzola, em maio de 1985.

 

Bráulio Tavares


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