Alegria

1982

Alegria
    • Essa Alegria (Caboclinhos) (Lula Queiroga) Letra

      Essa alegria é a guia

      Estrela guia do carnaval

      A nossa tribo abre o dia êêê...

       

      Essa alegria é a barca

      Navega a barca no carnaval

      A nossa tribo traz o vento êêê...

       

      Essa alegria é o pendão

      Nossa esperança no carnaval

      Um estandarte na floresta êêê...

       

      Balança o maracá

      Dança da redenção

      Raios da vida raiar

      Fonte a escorrer

      Rio de transbordar

      Jorro de alma jorrar

       

      Esse ritmo dentro da noite

      Quando a música e o pensamento

      Forem um só

      Forem o sol

       

      Arco, penacho, flecha e tambor

      Cabocolinhos no carnaval

      Traz de Olinda a surpresa êêê...

       

      Todas as tribos do país

      Vivas num dia de carnaval

      Como se a terra ainda fosse nossa

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo e regência: Zé Américo Bastos

      Bateria: Elber Bedaque

      Baixo: Antonio Sant’Anna

      Viola: Zeppa Souza

      Ovation: Geraldo Azevedo

      Percussão: Cidinho e Elber Bedaque

      Metais: Hamilton, Barreto, Maciel, Berto

      Coro: Márcio Lott, Jaime Alem, Zeppa Souza, Nair Cândia, Regininha, Andrea

      Palmas: Carlão, Guil, Elba, Zé Américo Bastos, Márcio, Jaime Alem, Zeppa Souza, Nair Cândia, Regininha, Andrea

    • Dominó (Zé Ramalho) Letra

      Pegue o cigano e bote perto da mentira

      E a mentira bote perto do cigano

      O alfaiate bote pertinho do pano

      E o pano na pele do caipira

       

      O topázio encrustado na safira

      E na pira do fogo dos diamantes

      O desejo bote perto dos amantes

      E os instantes no voo de quem não deu

       

      Pegue o destino e bote perto da viagem

      E a viagem bote perto do destino

      O sacristão bote pertinho do sino

      E no símbolo a ponte da miragem

       

      O valente bote perto da coragem

      E na margem o lado que não presta

      O boêmio bote perto da seresta

      E na fresta o olho que não vê

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo, regência, piano Yamaha e acordeom: Zé Américo Bastos

      Bateria: Elber Bedaque

      Baixo: Antonio Sant’Anna

      Viola: Zeppa Souza

      Ovation: Zé Ramalho

      Percussão: Cidinho e Elber Bedaque

      Vocal: Marcio Lott, Jaime Alem, Zeppa Souza, Nair Cândia, Regininha, Andrea

    • No Som da Sanfona (Kaká do Asfalto / Jackson do Pandeiro) Letra

      Ouvi o toque da sanfona me chamar

      Ouvi o toque da sanfona me chamar

      Ouvi o toque da sanfona me chamar

      Ouvi o toque da sanfona me chamar

       

      Um sanfoneiro bem maneiro

      Puxa o fole

      Folia a noite inteira

      Até o dia clarear

      O cabra vem se aconchegando

      Se relando

      Quando o pagode esquenta

      Ninguém quer sair de lá

       

      Êta pagode que tá bom

      Que tá danado

      Morena aqui do lado

      Faz o boneco chorar

      Chora, não chora

      Morena disse que chora

      No som de uma viola

      Faz o corpo balançar

       

      Quem é sambeiro, batuqueiro, forrozeiro

      Tem privilégio agora

      Soçaite particular

      Agora toda a classe alta quer xaxar

      Forró de brasileiro chegou em todo lugar

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo, regência e acordeom: Zé Américo Bastos

      Bateria: Elber Bedaque

      Baixo: Antonio Sant’Anna

      Guitarra: Zeppa Souza

      Zabumba: Cícero

      Pandeiro: Jackson do Pandeiro

      Percussão: Cidinho

      Palmas: Guil, Carlão, Cidinho, Mário Almeida, Pimpolho, Zé Américo Bastos, Márcio, Jaime Alem, Zeppa Souza, Nair Cândia, Regininha, Andrea

      Coro: Márcio Lott, Jaime Alem, Zeppa Souza, Nair Cândia, Regininha, Andrea

    • A Casca do Ovo (Gonzaguinha) Letra

      Não tenha receio

      De falar de amor

      Não tenha receio

      De falar de amor

       

      Por mais velho que achem

      Para sempre será

      Por mais velho que achem

      Para sempre será

       

      O eterno novo

      Como a casca do ovo

      Que ninguém nunca fará

       

      A galinha bota

      E ela mesma se espanta

      De poder botar

       

      Eu por mim quero mais, sempre mais

      Pois de amor não se enjoa

      Quero mais dessa festa

      Que põe fogo no meu coração

       

      A pitada de sal

      Traz saliva à boca

      De amar só se cansa, meu bem

      Quem está morta ou é louca

      De amar só se cansa, meu bem

      Quem está morta ou é louca

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo, regência e piano Yamaha: Zé Américo Bastos

      Bateria: Elber Bedaque

      Baixo: Antonio Sant’Anna

      Guitarra: Zeppa Souza

      Percussão: Cidinho

      Metais: Márcio Montarroyos, Leo Gandelman, Serginho, Bidinho, Zé Carlos

    • Chego Já (Alceu Valença) Letra

      Eu já chamei você

      Você não quis brincar

      Pode bater o pé

      Pode ficar

       

      O Elefante já vem

      Descendo o Amparo, meu bem

      E aquela Cobra que sobe a ladeira

      Com gosto de gás

      O Elefante já vem

      Eu Acho é Pouco, meu bem

      Segura a Coisa com muito cuidado

      Que eu chego já

       

      Segura a Coisa

      Que o Chapéu de Bode passou desgarrado

      Atrás do feitiço cheirando a pecado

      É com esse menino bonito que eu vou

       

      O Elefante já vem

      Eu Acho é Pouco, meu bem

      Segura a Coisa com muito cuidado

      Que eu chego já, já

      Segura a Coisa com muito cuidado

      Pra não se queimar, mar

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo, regência e acordeom: Zé Américo Bastos

      Bateria: Elber Bedaque

      Baixo: Antonio Sant’Anna

      Guitarra: Zeppa Souza

      Violão: Geraldo Azevedo

      Percussão: Cidinho

    • Amor com Café (Cecéu) Letra

      Se você quiser o meu amor

      Tem que ser assim

      Agarradinho, escondidinho, bem bonitinho

      Somente pra mim

       

      E de manhã cedo

      Fazer o café

      Trazer na cama

      Depois do café

      A gente se ama

      A gente se gama

      Depois do café

       

      Ficar o dia inteiro

      Nesse dá-me, dá-me

      Nesse toma, toma

      Nesse pega, pega

      Nesse coma, coma

      Nessa brincadeira

      Sem ninguém dar fé

       

      Que o dia vai acabar

      E a noite já vem

      O nosso amor pegando fogo

      Vamos se queimar

      Levar a vida nesse jogo

      Pra se ganhar

      E muito mais se querer bem

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo, regência e acordeom: Zé Américo Bastos

      Bateria: Elber Bedaque

      Baixo: Antonio Sant’Anna

      Guitarra: Zeppa Souza

      Zabumba: Cícero

      Pandeiro: Jackson do Pandeiro

      Percussão: Cidinho

      Coro: Márcio Lott, Jaime Alem, Zeppa Souza, Nair Cândia, Regininha, Andrea

      Metais: Márcio Montarroyos, Leo Gandelman, Serginho, Bidinho, Zé Carlos

    • Olhos Acesos (Zé Américo Bastos / Salgado Maranhão) Letra

      Eu canto como quem sofre

      A seca da plantação

      Sou uma arara ofendida

      Fugindo da solidão

       

      Chora, sanfona agrestina

      Fundo no meu coração

      Eu sou que nem andorinha

      Quando começa o verão

      Eu sou que nem andorinha

      Quando começa o verão

       

      Lugares, gente, saudade

      Selva, cidade, sertão

      Há tanto amor que acalanto

      Dentro de mim um vulcão

       

      Berram guitarras aflitas

      Soltas na minha canção

      São tantos olhos acesos

      São tantos passos no chão

      São tantos olhos acesos

      São tantos passos no chão

       

      Eu canto como quem pinta

      O verde na plantação

      Eu sou que nem os riachos

      Quando termina o verão

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo, regência e acordeom: Zé Américo Bastos

      Bateria: Elber Bedaque

      Baixo: Antonio Sant’Anna

      Guitarra: Zeppa Souza

      Percussão: Cidinho e Elber Bedaque

      Flautas em Dó e Sol: Celso e Daniel

      Cordas: Paschoal Perrota, Giancarlo Pareschi, Alfredo Vidal, Carlos Eduardo Hack, José Alves da Silva, Michel Bessler, Walter Hack, Aizik M. Geller, Arlindo Figueiredo Penteado, Frederick Stephany, Hindemburgo Vitoriano Borges Pereira, Nelson Baptista de Macedo, Márcio Eymard Mallard, Jorge Kundert Ranevsky

    • Sete Cantigas para Voar (Vital Farias) Letra

      Cantiga de campo

      De concentração

      A gente bem sente

      Com precisão

       

      Mas recordo a tua imagem

      Naquela viagem

      Que fiz pro sertão

      Eu que nasci na floresta

      Canto e faço festa no seu coração

       

      Voa, voa azulão

      Voa, voa azulão

       

      Cantiga de roça

      De um cego apaixonado

      Cantiga de moça

      Lá do cercado

      Que canta a fauna e a flora

      Ninguém ignora

      Se ela quer brotar

      Bota uma flor no cabelo

      Com alegria e zelo para não secar

       

      Voa, voa no ar

      Voa, voa no ar

       

      Cantiga de ninar

      A criança na rede

      Mentira de água

      É matar a sede

      Diz pra mãe que fui pro açude

      Fui pescar um peixe

      Isso num fui, não

      Tava era cum namorado

      Pra alegria e festa do meu coração

       

      Voa, voa azulão

      Voa, voa azulão

       

      Cantiga de índio

      Que perdeu sua taba

      No peito esse incêndio

      Seu não se apaga

      Deixe o índio no seu canto

      Que eu canto um acalanto

      Faço outra canção

      Deixe o peixe, deixe o rio

      Que o rio é um fio de inspiração

       

      Voa, voa azulão

      Voa, voa azulão

      Voa, voa...

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo, regência e violões: Vital Farias

      Vocal: Elba Ramalho

    • Marcha Regresso (Paulo Sauer / Edison Luiz / Moraes Moreira) Letra

      Marcha regresso

      De novo vamos ocupar

      No seio do povo o nosso lugar

      A Deus confesso e agradeço pela proteção

      Feliz estou de volta pro seu coração

       

      Marcha regresso

      Agora nem pra dizer

      No meio da rua procure aprender

      Pra não perder o que com tanta garra conquistou

      Seja você e saiba se dar o valor

       

      Marcha regresso

      Vai ser um sucesso ideal

      Real fantasia de um carnaval

      Viver o sonho de alcançar um dia

      Toda liberdade que se pretendia reencontrar

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo, regência e piano Yamaha: Zé Américo Bastos

      Bateria: Elber Bedaque

      Baixo: Antonio Sant’Anna

      Guitarra: Zeppa Souza

      Percussão: Cidinho e Elber Bedaque

      Metais: Márcio Montarroyos, Leo Gandelman, Serginho, Bidinho, Zé Carlos

    • Menina do Lido (Geraldo Azevedo / Carlos Fernando) Participação Especial: Geraldo Azevedo Letra

      Menina eu te conheço não sei de onde

      Menina eu te conheço não sei de onde

      Mas por incrível que pareça

      Sei o seu nome, menina (menino)

       

      Não sei se foi no bonde de Santa Teresa

      Não sei se foi no bonde de Santa Teresa

      Como podia ser

      Numa butique em Copacabana

       

      Ou num chá de caridade, menina

      Promovido a quem de direito

      Ou num chá de caridade, menina

      Promovido a quem de direito

       

      O seu vestido era azul-anil

      E era domingo, viu

      Você nem ligou pra mim

      É, eu sou muito vivo

      Você nem ligou pra mim

      É, eu sou muito viva

       

      Te lembra, menina

      Do passeio, do sorvete na Praça do Lido?

      Tu não te lembras

      Do passeio, do sorvete na Praça do Lido

       

      Sou cantador, eu sou cantor

      Sou cantador, também sou cantor

      Sou cantador, eu sou cantor

      Sou cantador, também sou cantor

      Sou cantador eu canto samba

      Frevo, rumba, coco, merengue

      E maracatu, xacaxá!

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo e regência: Zé Américo Bastos

      Arranjo de base e Ovation: Geraldo Azevedo

      Percussão: Cidinho e Elber Bedaque

      Saxes: Macaé, Bijú, Netinho, Aurino

    • Bate Coração (Cecéu) Letra

      Bate, bate, bate, coração

      Dentro desse velho peito

      Você já está acostumado

      A ser maltratado, a não ter direitos

       

      Bate, bate, bate, coração

      Não ligue, deixe quem quiser falar

      Porque o que se leva dessa vida, coração

      É o amor que a gente tem pra dar

      Porque o que se leva dessa vida, coração

      É o amor que a gente tem pra dar

       

      Oi, tum, tum, bate, coração

      Oi, tum, coração pode bater

      Oi, tum, tum, tum, bate, coração

      Que eu morro de amor com muito prazer

       

      As águas só deságuam para o mar

      Meus olhos vivem cheios d'água

      Chorando, molhando meu rosto

      De tanto desgosto, me causando mágoas

       

      Mas meu coração só tem amor

      Amor deveras mesmo, pra valer, ê

      Por isso a gente pena, sofre e chora, coração

      E morre todo dia sem saber

      Por isso a gente pena, sofre e chora, coração

      E morre todo dia sem saber

      FICHA TÉCNICA:

      Arranjo, regência e acordeom: Zé Américo Bastos

      Bateria: Elber Bedaque

      Baixo: Guil

      Guitarra: Zeppa Souza

      Percussão: Cidinho e Elber Bedaque

      Coro: Márcio Lott, Jaime Alem, Zeppa Souza, Nair Cândia, Regininha, Andrea

sjc-fallback

Alegria tem um significado muito amplo e definitivamente exprime uma explosão de coisas. Um estado de espírito, uma energia de vida, uma pulsação que corre nas veias, uma festa de rua, o carnaval, o povo brasileiro, a vitória do Mengo no Maraca, uma boca sorrindo, a simplicidade de conduzir da vida, o bem estar, o amor, os amigos, a música que vem do coração.

Dizem que o nordestino caminha a vida com uma dualidade de sentimentos: a dor e a alegria.

A dor da seca, da fome, da retirada e a alegria do sacolejo dos forrós, a alegria de estar vivo, acima de tudo!!!

Não me considero uma pessoa inteiramente alegre, mas aprendi nos livros da vida que o não é uma afirmação do sim, e que do vazio do sábio surge a quietude, da quietude a ação, e da ação, a realização. “Pois a quietude é alegria”. A alegria é isenta de preocupações. Fértil por muitos anos. A alegria faz tudo despreocupadamente porque o vazio, o quieto, o tranquilo, o silêncio são a não-ação! Eis a raiz de todas as coisas.

Nesse disco, o repertório foi acontecendo sem pressa, e as músicas chegaram até ele, algumas feitas especialmente: A casca do ovo, do Gonzaguinha; Dominó, do Zé Ramalho; Olhos acesos, do Zé Américo e Salgado Maranhão; Sete cantigas para voar, do Vital Farias; Marcha regresso, do Edson, Paulo Sauer e Moraes Moreira; No som da sanfona, do Kaká do Asfalto e Jackson do Pandeiro.

As outras foram sendo descobertas. Menina do Lido, do Geraldo Azevedo e Carlos Fernando, é uma brincadeira com Geraldinho. Ela existe há anos e a gente canta há anos também. Está como a gente gosta de cantar e tinha de ser feita. Geraldinho é meu convidado especial. O registro definitivo de uma escolha, harmonia e amizade onde a música esteve sempre presente.

Amor com café do Cecéu, o mesmo autor do Bate coração. Lá no Nordeste, Antonio Barros (Cecéu) é o mestre da música nordestina, séria e maliciosa, picante e dançante como o nosso povo. Lula Queiroga, com Essa alegria (Caboclinhos), um ritmo que representa o carnaval de Recife. “Caboclinhos” é um bloco e no carnaval sua bateria e dança representam uma partícula dessa multiplicidade de som e ritmo. Lula é pouco conhecido, mas é mais um compositor, um talento que surge.

...a alegria é a guia!

...a alegria é a barca!

...a alegria é o pendão!

Alceu Valença, também pernambucano, é o compositor de Chego já, nome de um bloco de Olinda, muito famoso e sugestivo: Segura a Coisa que eu Chego Já. O frevo de bloco ou de rua, o ritmo mais pernambucano e brasileiro do mundo.

E a presença de Caetano... A música me foi apresentada por Luis Antonio Correa, e foi feita para a peça O percevejo de Maiakovski. É Caetano, um jeito novo de cantar, que a gente tenta, ousa e pode.

A produção de Aramis foi calma e precisa. Quero ressaltar a presença da Banda Rojão formada por Cidinho (percussão), Elber Bedaque (bateria), Zé Américo (sanfona e piano), Zeppa (guitarra), Guil e Santana (no trabalho de baixo).

A presença especial de Geraldinho e Zé Ramalho (violão), e os belíssimos arranjos que foram feitos por Zé Américo, músico e maestro de São Luís do Maranhão, polivalente e profundo no seu ouvido absoluto.

O trabalho de criação e realização foi nosso e agora é de vocês.

“Conheço a alegria dos peixes no rio através da minha própria alegria, à medida que vou caminhando à beira do mesmo rio”.

 

Elba Ramalho

 

 

ELBALEGRIA

 

Quando tocava bateria no conjunto “The Golden Girls” nos idos de 60, Elba já passava para João Pessoa uma dosagem desconhecida de alegria em forma de música, batuque, África e Brasil. Nordeste-Cangaceirado pelo sol que via e queimava tudo.

Dos anos que se sucederam, não mais do que pique aumentado pelo brilho da velocidade de sua busca. O antes de vir chegou, passou e voltou muitas vezes ao seu redor. E virá muitas vezes ainda. Tudo como princípio, meio e final.

Novamente me lembro da gente tomando cachaça em Tambaú sentados na beira-mar, solvendo o aroma com iodo e deixando sair as canções que se vinham nos envolver como fome de cantores em fase de iniciação profética e humana. O tempo nos sorri quando se recorda conosco. A multiface do amor que se une a tudo isso, faz do ardor da batalha um ninho de faíscas que soltas pelo canto de Elba incendiaram não só João Pessoa nem Campinha Grande, mas saíram dessas órbitas e buscaram sentidos galácticos profundamente Lampionizados/Marinezados/Cantores de todo o mundo estão na sua voz. Mulher de alegria e fogo.

Sua fase atual como todas as outras, são ondas eternas, e quando ela me disse da alegria do nome do disco, era como se eu já soubesse disso tudo e não sabia.

O seu caldeirão abastece o banquete, os signos e os mitos. O que ferve é o canto, o cabelo, o olho e a vontade. A verdade dela é um santuário de alimentos diários e valentes. O seu elemento é o de todo artista: a natureza.

O dominó das associações vivas que estão em todos os olhos abertos, ergam o jogo da força que lume nos corações de Elba. Que são milhares batendo ao mesmo tempo, como o voo das aves que tem asas de prata. Nunca erram seus itinerário. Essa filha de longínquas paisagens é a boca de Luiz, de Jackson, de Marinês, de Dadá Maria e de Elba Ramalho.

 

Zé Ramalho

 

 

Quando ela canta e dança e dá-se em sua arte, é liberdade o que ela vivencia. Tem hora que fica elétrica: fogueira de São João. Tem hora que canta leve: ternura miúda dentro da gente. Trata-se de uma voz doce e travosa. Tipo assim uma mistura de caju com manga-rosa. Daqui pra frente e sempre, ela estará condenada a viver na alma do povo, no coração dos amigos. Semeando alegria pelos palcos, pelos alto-falantes, pelos escritórios, pelos laboratórios da tristeza, incendiando os corações das gentes e dos lugares.

 

Salgado Maranhão

 

 

Eu gosto mesmo é de artista que tem marca/estilo/aquele jeito de cuspir... Encrustado, a ferro e fogo na testa da moça de Campina Grande, eu assoletro contente – Elba Ramalho.

 

Alceu Valença

 

 

Não é uma arte fácil, a arte da voz de Elba. É exigente, é apaixonada. A voz de Elba pede – pede não, exige – que se descolonize o ouvido tanto, mas tanto, mas tanto ao ponto de mudar todas as referências, balançar a roseira, transformar os pontos cardeais. Não é voz para bater papo, para fundo de conversa, para elevador e cadeira de dentista. É voz que chega e diz que chegou, toma o ouvido de assalto, requer atenção imediata e exclusiva. Não é parecida, não é assemelhada, não é tipo tal, não faz o gênero qual. É voz de Elba. Chegou, tá chegada.

Mas é uma voz obediente à sua dona e, por isso, repleta de surpresas. Como neste disco sua dona quer e, mansamente, a voz de Elba fica contida, fica de câmara, fica suave, na fronteira do gemido. Fica bonita de uma beleza nova, e é como se João Gilberto desse o braço para Jackson do Pandeiro e a gente escuta coisa como Deixa escorrer, de Caetano, e se surpreende de ser Elba e ser Caetano – alguma alquimia misteriosa tirou tudo do lugar. Ou percorre os caminhos intrincados sugerido pelo violão de Vital Farias em Sete cantigas para voar, de sua autoria – a voz de Elba é um fio, e um vento, e uma brisa aventurando-se pela linha melódica que parece feita para desafiar o canto.

Mas Elba é por natureza amiga da festa e da explosão, que caem bem na sua voz, lhe são próprias, naturais. Nas coisas da sua terra sua voz tem uma vontade que ilumina, nordestinizando (reestabelecendo ligações?) o merengue à cubana que Geraldo Azevedo compôs (Menina do Lido) e a canção já urbanizada de Zé Américo e Salgado Maranhão (Olhos acesos). E rolando solto, toda metais, toda cantoria, no infernal coco de Kaká do Asfalto e mestre Jackson do Pandeiro, No som da sanfona ou na pungente alegria de Lula Queiroga ao duplo significado dos Caboclinhos – festa de redenção do povo ameríndio – em Essa alegria.

E, finalmente – Elba tocará no rádio. É inevitável. Sua voz exigente sabe ser acessível, também, e Bate coração, o sucesso de Cecéu, está aqui para provar. Junto com a marchinha de Moraes Moreira, Paulo Sauer e Edson Luiz (Marcha regresso) e a canção ao amor de Gonzaguinha (A casca do ovo).

A arte da voz de Elba está chegando ao ponto de fusão. Ponto de bala. Única, como sempre foi. E cada vez mais capaz de mais maravilhas.

 

Ana Maria Bahiana


@parent