O Grande Encontro

1996

O Grande Encontro
    • Sabiá (Luiz Gonzaga / Zé Dantas) cantam: Alceu Valença, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo e Zé Ramalho Letra

      A todo mundo eu dou psiu

      Perguntando por meu bem

      Tendo o coração vazio

      Vivo assim a dar psiu

      Sabiá vem cá também

       

      Tu que andas pelo mundo (sabiá)

      Tu que tanto já voou (sabiá)

      Tu que cantas, passarinho (sabiá)

      Alivia a minha dor

       

      Tem pena d’eu (sabiá)

      Diz por favor (sabiá)

      Tu que cantas passarinho (sabiá)

      Alivia a minha dor (sabiá)

    • Coração Bobo (Alceu Valença) cantam: Alceu Valença e Zé Ramalho Letra

      Meu coração tá batendo

      Como quem diz não tem jeito

      Zabumba bumba esquisito

      Batendo dentro do peito

       

      Teu coração tá batendo

      Como quem diz não tem jeito

      O coração dos aflitos

      Pipoca dentro do peito

      O coração dos aflitos

      Pipoca dentro do peito

       

      Coração bobo, coração bola

      Coração balão, coração São João

      A gente se ilude dizendo

      Já não dá mais coração

    • Jacarepaguá Blues (Zé Ramalho) Canta: Alceu Valença Letra

      Tão indecente

      Foi o jeito que essa mina descarada, arranhada, repulsiva

      Me jogou de repente

      Eu já sabia das suas intenções maléficas contra mim

      Por isso me precavi com todo alho e cebola

      Que eu consegui encontrar

      Mas o que eu não sabia era que você era

      Exata e precisa nos seus movimentos

      Por isso confesso

      Eu tô num terrível astral

       

      Minha família mandou-me um cartão postal

      Pois tal cartão conseguiu me fazer chorar

      E o reco-reco que eu brincava

      Hein mãe a senhora me bateu

      Porque eu troquei por um isqueiro

      Pra poder fumar

      Um tal negócio ou coisa parecida

      Que faz bem ou mal a saúde

      Não interessa mãe

      Vá perguntar ao Gabeira se você pode fumar

       

      Mas o capítulo

      Da novela dolorida, colorida, comovida que eu pedi pra ver

      O personagem que encenava a contramão do gancho

      A oficina telepática me sorria como um camafeu

      Mas o que eu não sabia é que essa trama toda

      Ia cair nas costas da pessoa que vos fala e relata

      O que aconteceu

    • Pelas Ruas que Andei (Alceu Valença / Vicente Barreto) canta: Alceu Valença Letra

      Na Madalena

      Eu revi teu nome

      Na Boa Vista

      Quis te encontrar

      Rua do Sol da Boa Hora

      Rua da Aurora

      Vou caminhar

       

      Rua das Ninfas

      Matriz Saudade

      Da Soledade de quem passou

      Rua Benfica Boa Viagem

      Na Piedade tanta dor

       

      Pelas ruas que andei

      Procurei, procurei, procurei

      Te encontrar

      Pelas ruas que andei

      Procurei, procurei, procurei

      Te encontrar

    • Talismã (Geraldo Azevedo / AlceuValença) cantam: Alceu Valença e Geraldo Azevedo Letra

      Diana me dê um talismã

      Um talismã

      Viajar

      Você já pensou em mais eu viajar

      Quando o sol desmaiar

      Vou viajar

       

      Olha essa sombra

      Esse rastro de mim

      Olha essa seta

      Essa réstia de sol

      Morena

    • O Ciúme (Caetano Veloso) canta: Geraldo Azevedo Letra

      Dorme o sol à flor do Chico, meio-dia

      Tudo esbarra embriagado de seu lume

      Dorme ponte, Pernambuco, Rio, Bahia

      Só vigia um ponto negro: meu ciúme

       

      O ciúme lançou sua flecha preta

      E se viu ferido justo na garganta

      Quem nem alegre, nem triste, nem poeta

      Entre Petrolina e Juazeiro canta

       

      Velho Chico vens de Minas

      De onde o oculto do mistério se escondeu

      Sei que o levas todo em ti

      Não me ensinas

      E eu sou só eu, só eu só, eu

       

      Juazeiro, nem te lembras dessa tarde

      Petrolina, nem chegaste a perceber

      Mas na voz que canta tudo ainda arde

      Tudo é perda, tudo quer buscar, cadê?

       

      Tanta gente canta

      Tanta gente cala

      Tantas almas esticadas no curtume

      Sobre toda estrada, sobre toda sala

      Paira monstruosa

      A sombra do ciúme

    • Dia Branco (Geraldo Azevedo / Renato Rocha) canta: Elba Ramalho Letra

      Se você vier

      Pro que der e vier

      Comigo

      Eu te prometo o sol

      Se hoje o sol sair

      Ou a chuva

      Se a chuva cair

       

      Se você vier

      Até onde a gente chegar

      Numa praça na beira do mar

      Num pedaço de qualquer lugar

      Nesse dia branco

       

      Se branco ele for

      Esse tanto, esse canto de amor

      Se você quiser e vier

      Pro que der e vier

      Comigo

    • O Amanhã é Distante (Tomorrow is a long time) (Bob Dylan / Versão: Geraldo Azevedo / Babal) cantam: Geraldo Azevedo e Zé Ramalho Letra

      E se hoje não fosse essa estrada

      Se a noite não tivesse tanto atalho

      O amanhã não fosse tão distante

      Solidão seria nada pra você

       

      Se ao menos o meu amor estivesse aqui

      E eu pudesse ouvir seu coração

      Se ao menos mentisse ao meu lado

      Estaria em minha coma outra vez

       

      Meu reflexo não consigo ver na água

      Nem fazer canções sem nenhuma dor

      Nem ouvir o eco dos meus passos

      Nem lembrar meu nome quando alguém chamou

       

      Há beleza no rio do meu canto

      Há beleza em tudo o que há no céu

      Porém nada com certeza é mais bonito

      Quando lembro dos olhos do meu bem

    • Admirável Gado Novo (Zé Ramalho) canta: Zé Ramalho Letra

      Ê, ô, ô

      Vida de gado

      Povo marcado ê

      Povo feliz

       

      Ô boi...

      Vocês que fazem parte dessa massa

      Que passa nos projetos do futuro

      É duro tanto ter que caminhar

      E dar muito mais do que receber

       

      E ter que demonstrar sua coragem

      À margem do que possa aparecer

      E ver que toda essa engrenagem

      Já sente a ferrugem lhe comer

       

      Lá fora faz um tempo confortável

      A vigilância cuida do normal

      Os automóveis ouvem a notícia

      Os homens a publicam no jornal

       

      E correm através da madrugada

      A única velhice que chegou

      Demoram-se na beira da estrada

      E passam a contar o que sobrou

       

      O povo foge da ignorância

      Apesar de viver tão perto dela

      E sonham com melhores tempos idos

      Contemplam essa vida numa cela

       

      E esperam nova possibilidade

      De verem esse mundo se acabar

      A Arca de Noé, o dirigível

      Não voam, nem se pode flutuar

      Não voam, nem se pode flutuar

      Não voam, nem se pode flutuar

    • Trem das 7 (Raul Seixas) canta: Zé Ramalho Letra

      Ói, ói o trem

      Vem surgindo de trás das montanhas azuis, olha o trem

      Ói, ói o trem

      Vem trazendo de longe as cinzas do velho éon

      Ói, já é vem

      Fumegando, apitando, chamando os que sabem do trem

      Ói, ói o trem

      Não precisa passagem nem mesmo bagagem no trem

       

      Quem vai chorar

      Quem vai sorrir?

      Quem vai ficar

      Quem vai partir?

       

      Pois o trem está chegando

      Tá chegando na estação

      É o trem das sete horas

      É o último do sertão, do sertão

       

      Ói, olhe o céu

      Já não é o mesmo céu que você conheceu, não é mais

      Vê, ói que céu

      É um céu carregado, rajado, suspenso no ar

      Vê, é o sinal

      É o sinal das trombetas, dos anjos e dos guardiões

      Ói, lá vem Deus

      Deslizando no céu entre brumas de mil megatons

      Ói, olhe o mal

      Vem de braços e abraços com o bem num romance astral

      Amém

    • Chão de Giz (Raul Seixas) cantam: Elba Ramalho e Zé Ramalho Letra

      Eu desço dessa solidão

      Espalho coisas sobre um chão de giz

      Há meros devaneios tolos a me torturar

      Fotografias recortadas em jornais de folhas amiúde

      Eu vou te jogar num pano de guardar confetes

      Eu vou te jogar num pano de guardar confetes

       

      Disparo balas de canhão

      É inútil pois existe um Grão-Vizir

      Há tantas violetas velhas sem um colibri

      Queria usar, quem sabe, uma camisa de força

      Ou de Vênus

      Mas não vou gozar de nós apenas um cigarro

      Nem vou lhe beijar gastando assim o meu batom

       

      Agora pego um caminhão

      Na lona, vou a nocaute outra vez

      Pra sempre fui acorrentada no seu calcanhar

      Meus vinte anos de boy, that’s over baby!

      Freud explica

      Não vou me sujar fumando apenas um cigarro

      Nem vou lhe beijar gastando assim o meu batom

      Quanto ao pano dos confetes

      Já passou meu carnaval

      Isso explica porque o sexo é assunto popular

      No mais, estou indo embora, baby

      No mais, estou indo embora

      No mais, embora baby, baby

      No mais, estou indo embora, no mais...

    • Veja (Margarida) (Vital Farias) canta: Elba Ramalho Letra

      Veja você, arco-íris já mudou de cor

      Uma rosa nunca mais desabrochou

      Não quero ver você

      Com esse gosto de sabão na boca

       

      Arco-íris já mudou de cor

      Uma rosa nunca mais desabrochou

      Não quero ver você

      Eu não quero ver

       

      Veja meu bem

      Gasolina vai subir de preço

      Eu não quero nunca mais seu endereço

      Ou é o começo do fim, ou é o fim

       

      Eu vou partir

      Pra cidade garantida, proibida

      Arranjar meio de vida, Margarida

      Pra você gostar de mim

       

      E essas feridas da vida, Margarida

      Essas feridas da vida, amarga vida

      Pra você gostar... de mim

    • A Prosa Impúrpura do Caicó (Chico César) canta: Elba Ramalho Letra

      Ah, Caicó arcaico

      Em meu peito catolaico

      Tudo é descrença e fé

      Ah, Caicó arcaico

      Meu cashcouer mallarmaico

      Tudo rejeita e quer

       

      É com, é sem

      Um milhão, um vintém

      Todo mundo e ninguém

      Pé de xique-xique, pé de flor

       

      Relabucho, velório

      Videogame, oratório

      High-cult, simplório

      Amor sem fim, desamor

       

      Sexo no-iê

      Oxente, oh shit

      Cego Aderaldo olhando pra mim

      Moon-walk-man

    • Tesoura do Desejo (Alceu Valença) cantam: Alceu Valença e Elba Ramalho Letra

      Você atravessando aquela rua vestida de negro

      E eu te esperando em frente a um certo Bar Leblon

      Você se aproximando e eu morrendo de medo

      Ali, bem mesmo em frente a um certo Bar Leblon

       

      Quando eu atravessava aquela rua morria de medo

      De ver o teu sorriso e começar um velho sonho bom

      E o sonho, fatalmente, viraria pesadelo

      Ali, bem mesmo em frente a um certo Bar Leblon

       

      - Vamos entrar

      - Não tenho tempo

      - O que é que houve?

      - O que é que há?

      - O que é que houve meu amor

      Você cortou os seus cabelos?

      - Foi a tesoura do desejo

      Desejo mesmo de mudar

       

    • Chorando e Cantando (Geraldo Azevedo / Fausto Nilo) cantam: Elba Ramalho e Geraldo Azevedo Letra

      Quando fevereiro chegar

      Saudade já não mata a gente

      A chama continua

      No ar

      O fogo vai deixar semente

      A gente ri, a gente chora

      Ai, ai, ai, ai, a gente chora

      Fazendo a noite parecer um dia

      Faz mais

      Depois faz acordar cantando

      Pra fazer e acontecer

      Verdades e mentiras

      Faz crer

      Faz desacreditar de tudo

      E depois

      Depois amor, ô, ô, ô, ô

       

      Ninguém, ninguém verá

      O que eu sonhei

      Só você, meu amor

      Ninguém verá o sonho

      Que eu sonhei

       

      Um sorriso quando acordar

      Pintado pelo sol nascente

      Eu vou te procurar

      Na luz

      De cada olhar mais diferente

      Tua chama me ilumina

      Me faz

      Virar um astro incandescente

      Teu amor faz cometer loucuras

      Faz mais

      Depois faz acordar chorando

      Pra fazer e acontecer

      Verdades e mentiras

      Faz crer

      Faz desacreditar de tudo

      E depois

      Depois amor, amor, amor

    • Banho de Cheiro (Carlos Fernando) canta: Elba Ramalho Letra

      Eu quero um banho de cheiro

      Eu quero um banho de lua

      Eu quero navegar

      Eu quero uma menina

      Que me ensine noite e dia

      O valor do bê-a-bá

       

      O bê-a-bá dos teus olhos

      Morena bonita da Boca do Rio

      O bê-a-bá das narinas do rei

      O bê-a-bá da Bahia

      Sangrando alegria, magia, magia

      Nos Filhos de Gandhi

       

      O bê-a-bá dos baianos

      Que charme bonito, foi o santo que deu

      O bê-a-bá do Senhor do Bonfim

      O bê-a-bá do sertão

      Sem chover, sem colher

      Sem comer, sem lazer

      O bê-a-bá do Brasil

       

       

      Frevo mulher

      (Zé Ramalho)

      cantam: Alceu Valença, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo e Zé Ramalho


      Quantos aqui ouvem os olhos eram de fé

      Quantos elementos amam aquela mulher

      Quantos homens eram inverno, outros verão

      Outonos caindo secos no solo da minha mão

       

      Gemeram entre cabeças a ponta do esporão

      A folha do não me toque e o medo da solidão

      Veneno meu companheiro desatado cantador

      E desemboca no primeiro açude do meu amor

       

      É quando o tempo sacode a cabeleira

      A trança toda vermelha

      Um olho cego vagueia

      Procurando por um

       

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O Grande Encontro é na verdade mais um dos muitos encontros que Alceu Valença, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo e Zé Ramalho tiveram ao longo de suas carreiras: encontros onde cantaram suas próprias composições, seus sucessos mais recentes, os seus rocks ou seus baiões preferidos, e aquelas canções do fundo do baú que todo mundo sabe, mas ninguém mais lembra. A única diferença é que, pela primeira vez, esse encontro se dá num palco, e não numa das incontáveis rodas de violão de que esses quatro amigos participaram ao longo de décadas de convivência e parcerias.

O disco registra o show realizado no Canecão, reproduz esse clima de troca de figurinhas belas e raras, essa partilha de memórias afetivas em forma de versos e melodias, e esse constante polimento que se dá às velhas canções no momento de transpô-las para um novo arranjo, um dueto vocal, uma nova harmonia da mão esquerda ou uma nova “batida” na direita.

Muitas linhas musicais se entrecruzam neste show-disco: não é apenas a diferença de timbres vocais.

O disco abre com uma canção de Luiz Gonzaga, a matriz musical unanimemente escolhida pelos quatro, mas percorre muitos outros caminhos. Vai do folk-rock de Bob Dylan (O amanhã é distante) à delicada canção urbana de Vital Farias (Veja [Margarida]); do rock-repente de Raul Seixas (Trem das sete) à nordestíssima toada de Caetano Veloso (O ciúme).

Um encontro de amigos, um sarau de reminiscências e violões, onde se recuperam canções conhecidas apenas pelos fãs mais especialistas (Jacarepaguá blues, Talismã), ao lado de sucessos unânimes, que fizeram cantar em coro milhares de pessoas por todo o Brasil, durante as temporadas do show.

 

Alceu Valença

Curinga, Arlequim, Velho do Pastoril ou Saltimbanco, as mil faces de ator de Alceu Valença o fazem trocar de personagem no espaço de uma cambalhota, assumindo num instante outra cara, outro canto – que tanto pode ser um vozeirão de Vicente Celestino quanto um lamento de blues ou toada de cego. Metade clown, metade cangaceiro, Alceu se equilibra aos saltos numa corda-bamba que ele próprio vai tecendo no ar enquanto anda.

 

Elba Ramalho

O recém-lançado Leão do Norte se firmou como o melhor disco e melhor show dos últimos anos da carreira de Elba. Maior intérprete da música nordestina depois de Marinês, Elba criou interpretações definitivas de clássicos como Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Antonio Barros/Cecéu, além de revelar inúmeros compositores novos. E ao longo de sua carreira jamais deixou de registrar, de forma única e pessoal, as canções dos três “trovadores” que estão com ela no Grande Encontro.

 

Geraldo Azevedo

De todos os chamados “trovadores” sertanejos do Nordeste, é o que melhor manipula o alfabeto musical da bossa-nova. O que o Zé Ramalho tem de sofridamente regional e cosmicamente roqueiro, Geraldo tem de menestrel lírico, seresteiro, tecedor de labirintos harmônicos, que se percorrem segurando a ponta do fio melódico. Suas canções têm aquela espontaneidade que só se alcança depois de muita elaboração.

 

Zé Ramalho

A imprensa já o chamou de “Bob Dylan do sertão”, e em matéria de canções apocalípticas ninguém se aproximou tanto de “A hard rain’sa-gonnafall” quanto Raul Seixas e Zé Ramalho. Dylan já encarnou muitos personagens, mas o que Zé Ramalho melhor encarna é o de profeta judeu, bradando do alto da montanha de Brejo da Cruz, apontando com sarcasmo o sertão aos seus pés, mais adiante a Babilônia urbana, e no horizonte o apocalipse que se aproxima.

 

Bráulio Tavares

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